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O QUE O MUNDO PODE APRENDER COM O CAOS CRIATIVO DE TEL AVIV

É algo que está entranhado no DNA. Os israelenses gostam de resolver problemas, estão dispostos a correr riscos e não têm medo do fracasso. Os empreendedores são como estrelas de rock em Israel.

By OBSERVADOR

Tel Aviv é a cidade com mais startups [1] per capita do mundo, principal hub de inovação tecnológica fora dos EUA e o ecossistema mais amigo das mulheres empreendedoras. É possível recriar o “tachubal” de Israel? Primeiro, precisamos entender o sentido da expressão tachubal, um acróstico formado por três expressões idiomáticas hebraicas:

Tachles: ir direto ao assunto, não enrolar.
Chutzpah: ousar, desafiar, atrever-se.
Balagan: confusão, caos.

“Ta-chu-bal”, como diria o ex-embaixador da França em Israel. Na ausência de uma palavra que caracterize o DNA dos empreendedores israelenses, inventa-se. Afinal, foram eles que transformaram Tel Aviv no maior hub de inovação tecnológica do mundo logo a seguir aos EUA, a cidade que alberga mais startups per capita (são 28 projetos disruptivos por quilômetro quadrado) e a sede de centros de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) de multinacionais como o Google, Facebook, eBay, Intel ou IBM. “Pegamos a inovação tecnológica e a traduzimos em prosperidade econômica“, afirmou Avi Hasson, presidente da Autoridade para a Inovação israelense e pesquisador-chefe do Ministério da Economia e Indústria, num encontro com jornalistas em Tel Aviv.

Os números comprovam. Na segunda maior cidade de Israel estão sediadas 1450 startups [2], que têm um investimento médio por volta dos 8,5 milhões de dólares (30,8 milhões de reais). No país todo são 5.000. Tel Aviv é, por isso, a cidade do mundo onde há mais investimento em capital de risco. Só em 2015, as exits (quando uma startup é admitida em bolsa ou adquirida por uma empresa maior) de empresas israelenses de alta tecnologia totalizaram negócios de 4,6 bilhões de dólares (16,7 bilhões de reais), oito vezes mais do que o valor conseguido em 2012.

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Vejamos o caso da Airobotics, a startup que Ran Krauss e Meir Kliner fundaram em 2014 e que em menos de dois anos conseguiu captar 28,5 milhões de dólares (103,6 milhões de reais) de investidores como o líder da Waze, Noam Bardin, um dos responsáveis pela Google, Richard Wooldridge e o UpWest Labs, do Vale do Silício. O projeto que quer revolucionar a indústria dos drones já emprega cerca de 90 pessoas nos escritórios que detém perto de Tel Aviv e desenvolveu um projeto-piloto com a Intel. Seguimos para a Infinity AR: três anos, 50 colaboradores e 25 milhões de dólares (90,9 milhões de reais) de investimento para mostrar que a realidade aumentada é o futuro da tecnologia. Talvez seja por isto que Avi Hasson não hesite em dizer que “os empreendedores são estrelas de rock neste país”.

Na era dos milhões e das rock stars, Israel é o país líder em investimento em P&D em percentagem do PIB: 4,3%. Como escreveu o recentemente falecido Shimon Peres no prefácio do livro “Start-up Nation” [3] , a única opção que os israelenses tiveram, numa terra que escasseia em recursos, foi a de procurar a qualidade com base na criatividade. E a mente foi o melhor recurso que puderam ter. Avi Hasson acrescenta que o apoio que o Estado dá às empresas de alta tecnologia não é, sequer, uma questão que se coloque. “É estratégico para Israel”, diz. Mas afinal, porquê?

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COMO O DNA ISRAELENSE TRANSFORMOU O PAÍS NUMA NAÇÃO STARTUP

“Eu sou um soldado”, disse uma estudante de Direito de 29 anos ao portal português Observador. Primeiro, israelense. Depois, soldado. E por fim estudante. É esta a ordem de pensamento em Israel, país marcado pelo serviço militar obrigatório para todos aqueles que acabam o ensino secundário: dois anos para as mulheres, três para os homens. Como Dan Senor e Saul Singer explicam no “Start-up Nation”, Israel conseguiu separar as ameaças à segurança do país das oportunidades de crescimento econômico. “Noutras palavras, os israelitas confiam que as suas startups vão sobreviver durante os períodos de guerra e de turbulência. E também conseguiram convencer os investidores disso“, lê-se.

Motti Kushnir, CEO da Infinity AR, explica que muito do DNA dos israelenses advém da experiência militar e exemplifica: “Aos 18 anos, todos vamos para o exército, no qual integramos vários departamentos que trabalham com alta tecnologia. E quando você está lá, não tem que pensar no constrangimento que é gerir um negócio. Só tem que resolver problemas, pensar fora da caixa”. Kushnir não é o único. Não há ninguém em Tel Aviv que não ligue a experiência militar ao fenômeno do empreendedorismo. Pela forma como lidam com o risco, pela persistência, pelo foco em resolver problemas.

É Avi Hasson que recupera a expressão “tachubal” usada pelo embaixador francês para explicar o segredo do ecossistema de Tel Aviv. “É uma fusão de três palavras. A primeira quer dizer que não fazemos rodeios, que somos muito práticos. A segunda é aquilo que nos faz olhar para a fotografia de Mark Zuckerberg na TIME e dizer que se ele conseguiu lançar o Facebook, eu consigo lançar uma empresa duas vezes maior. A última quer dizer caos, confusão, mas neste caso é um caos criativo. E deste caos emergem grandes ideias, ideias fora da caixa. E isto é natural neste país, mesmo no exército. Claro que todas estas palavras podem ser muito negativas, mas também muito positivas.”

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“Os israelenses gostam de resolver problemas, estão dispostos a correr riscos, não têm medo do fracasso. Os empreendedores são ‘rock stars’ neste país. Quando entram num restaurante, as pessoas olham.” (Avi Hasson, pesquisador-chefe no Ministério da Economia)

COMO ESTRELAS DE ROCK

Os ingredientes do ecossistema de startups de Tel Aviv estão lançados. Uma pitada de atrevimento aliada àquilo que Dan Senor e Saul Singer chamam de cultura não hierárquica no “Start-up Nation”. Ao contrário do que acontece no Brasil, em Israel toda a gente discute ideias e confronta superiores com a sua opinião, explica Motti Kushnir. “Uma coisa que percebi que existe em Israel, mas não existe noutros países, é que quando há alguém que não concorda com algo, eu espero que me diga. Mesmo que eu seja o CEO e ele seja o último programador que contratei. Toda a gente se sente confortável em dar a sua opinião, mas quando a decisão é tomada, toda a gente a segue, como na cultura militar.”

Ao treino militar e à ousadia, soma-se a escassez de recursos. Avi Hasson explica que as especificidades do país que surgiram como desvantagens se transformaram em mais-valias econômicas. “Somos um país pequeno, longe dos mercados, sem recursos, mas muitos destes desafios transformaram-se em vantagens”, diz. Também é por isso que o CEO da Infinity AR diz que, em Israel, uma das coisas boas é que todos os projetos nascem globais. “Como não podemos fazer dinheiro aqui, porque o mercado é muito pequeno, pensamos logo em coisas globais. Começamos globais”, diz. E começam a correr riscos, aceitando fracassos, celebrando o empreendedorismo.

Não há, afinal, alternativa. De fronteiras fechadas e em alerta permanente, Israel é um país marcado pelas várias guerras que travou com os países vizinhos. Da Guerra da Independência que entre 1947 e 1949 envolveu o Egito, a Jordânia, o Líbano e a Síria ao conflito árabe-israelense que ainda hoje concentra atenções em toda a Faixa de Gaza. Não são de estranhar as histórias que contam episódios de programadores do centro de P&D da Intel que, durante a Guerra do Golfo, continuaram a trabalhar debaixo de ataques aéreos. Em videoconferência com a sede nos EUA, os israelenses trabalhavam com máscaras de gás colocadas, levavam os filhos para o escritório e faziam turnos de babysitter. Sem que ninguém lhes pedisse.

“Isto é algo que está entranhado no DNA destas pessoas e não é apenas em tecnologia. Os israelenses gostam de resolver problemas, estão dispostos a correr riscos, não têm medo do fracasso. Os empreendedores são estrelas de rock neste país. Quando entram num restaurante, as pessoas olham. As mães querem que os filhos se tornem empreendedores. É algo que está aqui e está estabelecido. São coisas muito difíceis de dar um Ctrl C + Crtl V”, explica o pesquisador-chefe do Ministério da Economia.

“Uma coisa que percebi que existe em Israel, mas não existe noutros países, é que quando há alguém que não concorda com algo, eu espero que me diga. Mesmo que eu seja o CEO e ele seja o último programador que contratei. Toda a gente se sente confortável em dar a sua opinião, mas quando a decisão é tomada, toda a gente a segue, como na cultura militar.”

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Motti Kushnir (direita) CEO da Infinity AR

GOVERNO É PARCEIRO DAS STARTUPS DESDE 1993

O DNA israelense é algo que não se pode copiar, mas as políticas públicas podem servir de inspiração. Desde 1993 que o Estado coinveste em startups através do programa Yozma, que atualmente tem capital distribuído por 70 fundos de investimento. Para Avi Hasson, é este o ingrediente principal do ecossistema. “A inovação é muito arriscada, toda a gente concorda com isto. Mesmo quando olhamos para empresas como a Amazon, percebemos que antes dela houve 10 ou 20 empresas que falharam. E é por isso que achamos que o papel do Governo tem de ser o de partilhar esse risco, de o liderar. E isto não é algo que pareça muito atraente, de início, mas é exatamente isso que fazemos. Cada dólar que damos, regressa à economia 5 a 8 vezes mais valioso”, diz.

Com os fundos de investimento de risco partilhado, o Governo israelense acredita que a economia beneficia até dos fracassos. “Cria sempre um efeito econômico positivo, talvez não na empresa, mas no ecossistema. Quando o Estado co-investe, consegue que os investidores ponham dinheiro em projetos nos quais não colocariam se estivessem investindo sozinhos“, conta. Além destes fundos, o Estado tem incubadoras que financiam até 85% dos projetos. Ou seja, nos três primeiros anos de vida dos projetos, 85% do capital é cedido pelo Estado. “Sem querermos ações em troca. É extremamente generoso, certo?”, pergunta o pesquisador-chefe.

Como funciona? Se o projeto falhar, o empreendedor não tem de devolver o capital, mas se o projeto tiver receitas, paga royalties até a dívida ficar saldada. “Nesses primeiros três anos, cinco dólares vêm do Estado, um dólar vem dos acionistas. E o que se vê em 25 anos de dados relativos a milhares de empresas, é que no seu ciclo de vida, as empresas que passam por estas incubadoras conseguem o contrário: no final, recebem cinco dólares de investimento do setor privado contra um dólar do governo“, explicou. A ideia é que o Estado invista, mas não decida sobre os projetos que são acolhidos nas incubadoras.

A Câmara Municipal também tem um papel no ecossistema. Yael Weinstein, diretora do departamento de Desenvolvimento Econômico Global da câmara, explica que Telavive foi a primeira cidade do mundo a abrir um espaço de coworking [4] financiado pela Câmara Municipal, em outubro de 2011. Agora, tem cerca de 80 espaços para empreendedores que se dividem por aceleradores, incubadoras e espaços de coworking, que têm apoio público. “Hoje em dia é muito claro em Israel e mais especificamente em Telavive que uma das chaves para o crescimento econômico é a tecnologia“, afirmou Yael Weinstein.

CIDADE CÉREBRO DE 300 MULTINACIONAIS TECNOLÓGICAS

A atitude chutzpah [5] e a experiência militar moldam a vida em Tel Aviv e o mundo sabe. A cidade israelense é a casa dos centros de P&D de cerca de 300 multinacionais tecnológicas, como Facebook, Intel, Google, eBay, IBM, entre outros. Só a Google emprega 650 programadores no arranha-céus que ocupa em Tel Aviv. As sugestões de pesquisa que aparecem assim que você começa a digitar uma palavra são fruto do talento israelense. Bem como as Google Trends ou o dicionário. Aliado a isto, está o programa de parcerias internacionais lançado pelo Governo, que ajuda empresas a trabalharem juntas, com financiamento público. São cerca de 65 parcerias.

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Todas as vezes que o Google complementar as palavras da sua busca, lembre-se que muitas das tecnologias que facilitam nossas vidas foram desenvolvidas em Israel.

Para Avi Hasson, o papel do Estado passa sobretudo por fornecer as infraestruturas adequadas aos empreendedores, sendo que a principal delas é o capital humano. “É o ingrediente mais importante de qualquer ecossistema de inovação e nós temos de assegurar que ele existe, que estamos fornecendo pessoas relevantes ao ecossistema”, disse. Mas não fica só nisso. É preciso ter pessoas, mas também é preciso ter condições para reter as pessoas e promover uma cultura de risco – para quem empreende e para quem investe.

Em matéria de investimento, o Governo israelense tem procurado criar condições que façam com que o país seja um bom destino para investir. Exemplo disso é a política fiscal que tem sido implementada. Em Israel, existem benefícios fiscais que permitem que os investidores recuperem 50% do capital investido, ao apresentarem a Declaração do Imposto de Renda. Em Tel Aviv, por exemplo, a Câmara Municipal instituiu benefícios fiscais na ordem dos 50% para quem cria um hub de inovação ou centro de P&D na cidade.

Mais: o Governo israelense está trabalhando numa legislação que vai obrigar a empresa que tem sede num país e centro de P&D noutro a ter quer pagar impostos também no país onde desenvolvem a tecnologia, que neste caso seria Israel. “Quando você começa uma empresa, é tudo arriscado: a tecnologia, o mercado, a equipe. Mas à medida em que a empresa amadurece, o risco diminui e as pessoas ficam felizes por fazerem parte. E se você tiver uma perspetiva macro de tudo isto, entenderá que o sistema funciona, porque Israel é um país líder em termos de investimento em P&D”, explicou.

Mas são as políticas públicas que ditam o sucesso dos negócios que se criam no país? De acordo com Yossi Vardi, não. O israelense que é considerado uma das 25 pessoas mais influentes no setor tecnológico pelo Wall Street Journal e conselheiro de líderes de multinacionais como a AOL e a Amazon não duvida que o orçamento do governo para a inovação, a experiência no exército e o ambiente tecnológico que se vive em Tel Aviv são “muito importantes” para o ecossistema, mas também existem noutros países. “A coisa especial que nós temos aqui é que as pessoas são incentivadas a arriscar. E todas se apoiam”, afirmou num encontro com jornalistas durante o DLD, o Festival de Inovação de Tel Aviv.

“Temos sucesso mesmo quando falhamos. Eu investi em 86 empresas, vendi 30 e fechei outras 30. Quando olho para aquelas em que perdi dinheiro também as vejo como sucessos. É uma questão de mentalidade”, disse. Ousar desafiar, sem meias medidas, de olho no objetivo, ainda que a realidade esteja submersa no caos que é construir um país num ambiente de alerta, um ambiente onde os funcionários podem trocar rapidamente o computador pela arma se o telefone tocar. Mentalidade. Criatividade. Tachubal.

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NOTAS

1 STARTUP significa o ato de começar algo, normalmente relacionado com companhias e empresas que estão no início de suas atividades e que buscam explorar atividades inovadoras no mercado.

2 TECNOLOGIA DISRUPTIVA ou INOVAÇÃO DISRUPTIVA são termos aplicados a um produto ou serviço, geralmente mais simples e mais barato do que os similares existentes, que é capaz de criar novos mercados ou atender de forma mais otimizada um público que antes não tinha acesso aos produtos ou serviços até então disponíveis.

3 NAÇÃO EMPREENDEDORA – o Milagre Econômico de Israel e o Que Ele Nos Ensina – Saul Singer e Dan Senor – Editora Évora.

4 COWORKING é a união de um grupo de pessoas que continuam trabalhando independentes umas das outras, mas compartilham valores e buscam a sinergia que acontece quando pessoas talentosas dividem o mesmo espaço, gerando um fluxo de troca de ideias e experiências.

5. CHUTZPAH, em tradução livre, significa uma postura audaciosa, determinada e até arrogante frente a situações complexas, imprevistas ou adversas. Alguém que diz “não sei como, nem de que jeito, mas vou fazer isto!” está tendo uma atitude chutzpah.

ANDS | OBSERVADOR

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