A MORTE DO ÚLTIMO HERÓI DA INDEPENDÊNCIA DE ISRAEL
“O meu objetivo na vida é servir o meu povo. O serviço mais importante para o povo de Israel é a construção do país através do trabalho na terra; sem ele, não haveria ligação ao nosso solo.”
Em Setembro de 1938, um jovem imigrante polonês apresentou-se como estudante voluntário em um dos muitos assentamentos que estavam a surgir nas terras abandonadas e desertas da Judeia e da Samaria. Estes assentamentos ou vilas, termos que em hebraico são traduzidos por moshav, eram comunidades rurais coletivas que serviram de embrião para a reconstrução do devastado Estado de Israel.
Localizado 4 Km a leste da cidade de Lod, no Concelho Regional de Modi’in Hevel, o moshav chamava-se Ben-Shemen e havia sido fundado havia 33 anos antes com recursos oriundos do Fundo Nacional Judaico. O jovem imigrante tinha apenas 15 anos e chamava-se Szymon Perski.
Setenta e oito anos depois, Ben-Shemen é hoje um bem sucedido empreendimento agrícola com cerca de 850 trabalhadores e o polonês Szymon Perski acaba de falecer. Passou para a história com o nome de Shimon Peres.
Naquela altura, e como parte do processo seletivo, pediram ao jovem que escrevesse uma carta, de próprio punho, explicando as razões pelas quais deveria ser aceito no moshav. A carta ainda hoje encontra-se nos arquivos da aldeia. Veja a íntegra abaixo.
O Moshav Ben-Shemen na época em que acolheu o jovem Shimon Peres
A CARTA
“O meu objetivo na vida é servir o meu povo. O serviço mais importante para o povo de Israel é a construção do país através do trabalho na terra; sem ele, não haveria ligação ao nosso solo.
Uma vida de vendas, empréstimos de dinheiro, comércio, é uma vida vazia. É como um balão, que qualquer brisa pode levar para longe, longe.
Povo de Israel! Durante dois mil anos comerciastes, tornaste-te rico, enriqueceste nações e povos, mas onde está a vossa felicidade? Onde, judeus assimilados pelos alemães, onde está a vossa riqueza, onde estão as vossas posições elevadas?
Ah! Sois como um balão que podemos furar como uma pequena agulha, que colapse e cai.
Povo de Israel! Redime a terra! Agarra-te a ela! A terra curará a tua alma mutilada e quebrada; irá curar as tuas costas dobradas, que carregam o pesado fardo do exílio, há dois mil anos.
Temos suficientes médicos, professores e pessoas com educação. Juventude Judaica! Precisamos de trabalhadores simples na terra. O meu lugar não é na cidade, mas na aldeia, atrás do arado! Nos campos!
Quando vim para Ben-Shemen, vi o meu objetivo em todo o seu esplendor. Quando vi a simplicidade, a sinceridade, a vida social desenvolvida, os robustos rapazes e moças, saudáveis de corpo e alma, o meu espírito voou.
Saudações de um filho do povo sofredor, que aspira a trabalhar na terra dos seus antepassados.
Assinado: Shimon Persky.”
Foi aceito.
Shimon Peres ao receber o Nobel da Paz
IGNORÂNCIA SEM LIMITES
Lembrei-me deste episódio quando recebi, na madrugada de hoje, a notícia da morte de Peres. Como faço em momentos como este, fui acompanhar a repercussão na mídia mundial. Mais do que simplesmente ler as reportagens, tenho o péssimo hábito de ler os comentários dos leitores. Quanta besteira.
Dos tradicionais ataques antissemitas aos não surpreendentes comentários de quem não conhece a história, li de tudo. “Mais um assassino indo para o colo do diabo, morte a Israel”, escreveu um leitor; “ganhou o Nobel da Paz roubando terras palestinas”, insinuou outro. Ódio gratuito e alienação total.
Shimon Peres foi o único dos grandes nomes do período da independência de Israel que eu tive o privilégio de conhecer pessoalmente. Embora respeitasse a sua história, eu não comungava das mesmas convicções. Peres sempre alinhou-se à Esquerda, israelense ou mundial, e eu não morro de amores por esta ideologia.
Ao contrário do que pensa o leitor alienado que postou o comentário infame, Shimon Peres chegou a Nobel da Paz entregando terras israelenses aos palestinos e não roubando. E esta foi uma marca da longa trajetória política de Peres, a doação de terras em troca de paz. Israel perdeu território e nunca alcançou a paz.
Olhando para a história pessoal de Peres há dois outros episódios que demonstram o quão ignorantes são aqueles que atacam a memória do líder agora morto.
A primeira história nos remete ao início da militarização do Estado hebreu, fato que muitas pessoas atribuem erroneamente aos Estados Unidos. Na verdade, os primeiros aliados do renascido Estado de Israel foram a França e a Alemanha. A segunda história revela a influência que Peres teve não apenas junto à diplomacia israelense, mas em diversas outras esferas da política mundial. E como homenagem ao grande líder judeu hora desaparecido, compartilho com os leitores do Notícias de Sião estas duas histórias.
O diplomata Shimon Peres
INFLUÊNCIA NO PASSADO
Em Setembro de 1954, apenas 5 anos após a Guerra da Independência, Shimon Peres encontrava-se em Paris numa desesperada tentativa de conseguir apoio do Governo Francês na aquisição de armamentos. A União Soviética e a Checoslováquia acabavam de anunciar uma parceria estratégica com o Egito, parceria esta que resultara na venda de 125 jatos de combate MiG-15, 50 bombardeiros II-28, 20 aviões de carga, 250 tanques, 230 transportadores de tropas armadas, um número não determinado de navios torpedeiros, 6 submarinos e 500 canhões dos mais diversos calibres. Israel estava desesperado!
Na capital francesa, Peres procurava ratificar um tratado que previa o fornecimento de diversos armamentos, mas principalmente 12 caças Mystère-4, fundamentais para a defesa do espaço aéreo israelense.
A França estava em plena campanha eleitoral e os políticos não queriam que questões armamentistas lhes tirassem votos. Fornecer armas para Israel significava perder eleitores. Foi aí então que Peres obteve uma ajuda inesperada, que Michael Bar-Zohar relata na biografia do grande líder.
Um amigo [de Shimon Peres] apresentou-o a um judeu de origem argelina, George Elgosi, um economista no gabinete do primeiro-ministro [Edgar Faure]. Elgosi convidou Peres a ir a sua casa. Este estava profundamente impressionado pela maravilhosa coleção de arte que enchia o apartamento. Na sala, estava uma mulher idosa e bem vestida, sentada numa cadeira que parecia um trono. “É a minha mãe”, disse Elgosi, e apresentou o seu convidado. Ele olhou para Peres com os olhos aguçados e penetrantes, e pediu-lhe para lhe dar a mão, que examinou atentamente. Finalmente, voltou-se para o filho. “Faz o que ele te pedir”, disse ela, e levantou os olhos para o céu, como se tivesse recebido uma mensagem do Todo-Poderoso. Peres sentiu-se desconfortável, mas Elgosi levou a sério as palavras da mãe. “Venha ao meu escritório amanhã”, disse ele.
No dia seguinte, ainda algo confuso pelo seu encontro com a senhora idosa, Peres foi ao gabinete de Elgosi, muito perto do gabinete pessoal do primeiro-ministro. Peres estava incrédulo. Elgosi ofereceu a Peres o uso do seu gabinete [Peres encontrava-se neste momento numa campanha de busca de apoio para Israel por todo o continente Europeu]. Foi um dos colegas de Elgosi, um jovem chamado Valéry Giscard d’Estaing, que estava encarregado do assunto de Israel. “Importa-se que tome conta dos israelenses?” Perguntou Elgosi, e Giscard concordou.
“Este cara, Elgosi”, disse Peres mais tarde, “telefonou logo para doze ministérios, e falou com os ministros e com os diretores gerais, e dentro de uma hora tinha a imagem completa da situação.” Do seu novo quartel-general no gabinete de Elgosi, Peres continuou a tentar liberar os aviões Mystère, e a marcar reuniões com os oficiais de topo nos ministérios. Atravessou os poucos metros que o separavam do gabinete do primeiro-ministro Edgar Faure, e pediu para comprar não 12, mas 72 aviões. “O que você acertar com [o ministro da defesa] Pierre Billotte está bem para mim”, disse Faure ao jovem israelense [Billotte fazia campanha para a reeleição de Faure nas eleições que se aproximavam].
Peres foi encontrar-se com Billotte em plena campanha na cidade de Dijon, a 320 Km de Paris. Estavam à sombra de um caminhão cheio de alto-falantes. Billotte falou com profunda emoção. “Sou católico”, disse. O meu pai comandou uma divisão armada, e foi morto na Primeira Guerra Mundial. Mas a minha mãe é judia. A minha mulher também é judia, da família Rothschild. Tenho sentimentos pelos judeus. No meu distrito, as pessoas exigem divisão religiosa – Abaixo os judeus! Dizem que eu trabalho mais para os judeus do que para a França”. E prometeu ajudar Peres a obter os aviões.
Shimon Peres discursa no Parlamento Europeu
INFLUÊNCIA NO PRESENTE
Shimon Peres lançou os alicerces para uma aliança informal entre a Turquia, a Jordânia e Israel. Também ajudou a Turquia nos seus esforços de integrar a União Europeia. “A maioria da Europa era governada por regimes socialistas, recordou Zvi Alpeleg, o antigo embaixador de Israel em Ancara. “Shimon conhecia pessoalmente quase todos os líderes. À medida que a votação da União Europeia se aproximava, Shimon pegou no telefone e falou com quase todos os opositores da Turquia. ‘O que querem?’, perguntou-lhes, ‘um país vizinho localizado principalmente na Ásia e membro da União Europeia, ou uma nação prá-Khomeini [Irã] nas suas fronteiras? A escolha é essa’. Pelas suas ações ness questão, Shimon conseguiu um lugar na história turca. O primeiro-ministro turco, Tansu Çiller, telefonou-me e disse, ‘É bom saber que temos um amigo como Peres’. Penso que não há hoje um líder estrangeiro tão popular na Turquia como Shimon Peres.”
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DE PERSKI A PERES
Quando chegou a Israel, em 1938, Szymon Perski tinha 15 anos e, como muitos imigrantes, procurava um nome hebraico com o qual pudesse se identificar. A escolha demorou longos sete anos sendo que a inspiração ocorreu durante outra viagem emblemática rumo a terras proibidas aos judeus. No início do ano de 1945 deparou-se com uma imponente ave pousada sobre uma rocha. Com as asas abertas a envergadura chegava aos incríveis dois metros e meio de largura. Impressionado com a imponência da ave, Szymon Perski ouviu de um zoólogo por sobrenome Mendelson que se tratava de um Peres, um abutre-barbudo mais imponente e poderoso que a própria águia. Naquele momento, no Deserto do Neguev, nasceu a inspiração para o nome que haveria de adotar e que marcaria a História de Israel de forma indelével: Shimon Peres!
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O OLEH QUE VIROU SABRA
Peres não nasceu em Israel e sim na Polônia. Ao chegar à Terra Santa tudo fez para se parecer com um “sabra”, nome pelo qual eram conhecidos os judeus nativos da terra. Das roupas ao comportamento, copiava cada gesto, mas o sotaque europeu continuamente o traía. Para aproximar-se da terra e adquirir o estilo “sabra”, Peres escolheu morar em Ben-Shemen. Para além da lida diária com a terra, Ben-Shemen influenciou na formação cultural de Peres, que já viera enriquecida do contacto que tivera com o avô, um respeitável rabino na Polônia.
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PERES E AS NOVAS MÍDIAS
Em Fevereiro de 2012 Shimon Peres entrou no Facebook. No dia 8 de Março postou o vídeo “Be my friend for peace”, que já foi visualizado perto de meio milhão de vezes! Desde então, Peres não mais parou de interagir com seus amigos virtuais. “Se o Judeu é o Povo do Livro (book), também deve ser o Povo do Face-Book”, disse certa vez numa entrevista. E sorrindo completou, “você tem que falar a língua dos jovens”.
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UM HOMEM DE LIVROS
“O meu amor pelos livros é um amor pela sabedoria. Viajo pelos livros para mundos longínquos, reais e imaginários. Ali, encontro personagens maravilhosas, que D’us abençoou com um espírito encantador e cativante. Adoro um livro, mais ainda do que o teatro, o cinema ou um disco de música. Quando começo a lê-lo, decido fazê-lo como meu próprio mestre, que não presta contas a ninguém. Liberto-me de qualquer tipo de submissão, incluindo a submissão àquilo que o próprio livro conta.”
Grande perda para a humanidade. Que bela homenagem prestada pelo Notícias de Sião.
Que Deus de Abraao de Isaque e Jaco receba sua alma
Obrigado pela partilha!
Peres era um estadista. Quantos podem ostentar este título?
Que sua memória possa nos inspirar e consolar.
Abrahão Finkelstein – Porto Alegre