O STROGONOFF KOSHER DA SERRA E A SINAGOGA MUÇULMANA DO ALGARVE
Há alguns anos assisti a uma cena engraçada. Um dos convidados para o I Festival da Memória Sefardita na cidade da Guarda era o Rabino Pinkas Kornfeld, líder da comunidade ortodoxa Machsike HaDas, da Antuérpia. Na hora do almoço, vi o rabino saindo discretamente do auditório. Um dos organizadores o interceptou, convidando-o para ir até o salão onde seria servida a refeição: “Pode ficar tranquilo, rabino”, disse o organizador, “nós vamos servir bacalhau, e bacalhau é kosher”.
É claro que aquele senhor estava imbuído das melhores intenções e deve ter orientado os organizadores a preparar tudo de modo a agradar aos judeus convidados. Provavelmente, tiveram cuidado até mesmo na hora de preparar a galinha de cabidela ou o arroz de pato, afinal galinha e pato são aves kosher.
Na época, eu estava cobrindo o evento e escrevi numa das reportagens que se os portugueses tensionavam construir uma rede de turismo voltada para receber judeus, era preciso estudar mais a cultura e os hábitos deste povo.
Alguns meses depois, participei de outro congresso, desta vez em Castelo de Vide, e novamente deparei-me com uma cena, digamos, não muito apropriada. Desta vez, era algo que agredia a memória judaica. Logo na entrada da antiga sinagoga da cidade, agora transformada num pequeno museu, havia (não sei se ainda há) um display razoavelmente grande onde aparecia um padre gordo e sorridente com uma tocha incandescente na mão. A imagem, infelizmente, não evoca boas lembranças e não deveria ser o “cartão de visitas” da entrada de uma antiga sinagoga. A foto foi tirada durante uma procissão católica, uma tradição da cidade, mas no mínimo faltou bom senso aos organizadores ao escolherem aquela imagem para colocarem na entrada do museu.
Passaram-se quase dez anos destas minhas experiências e agora o turismo judaico em Portugal está florescendo. Leio numa revista publicada neste último final de semana (18/02/2018) que um hotel do interior, que recebia em média 150 judeus por ano até 2015, recebeu mais de 1.000 o ano passado. A reportagem diz ainda que este ano o gerente espera receber perto de 2.000 turistas judeus, apenas no mês de junho de 2018!
“Há um verdadeiro boom no turismo judaico”, diz o gerente do hotel. “Neste momento, estamos a treinar todos os nossos empregados para nos adaptarmos às necessidades desta nova clientela, sobretudo na cozinha, onde a comida tem que ser confecionada sob os preceitos kosher. A carne, por exemplo, tem de ser cortada na direção de Israel.”
Alguém tem que explicar rapidamente para os operadores do turismo português que há uma diferença significativa entre comida hallal e culinária kasher. Cortar a carne voltada para Jerusalém não a torna kosher, se ela for preparada junto com laticínios. E também é preciso que os portugueses entendam que há uma diferença enorme entre judeus e muçulmanos, caso contrário, coisas mais sérias poderão acontecer. Por exemplo: um dia desses me disseram que a presença árabe no Algarve era tão grande que “os muçulmanos até construíram uma sinagoga para rezar”. Imaginem se um judeu apanha um táxi no shabat e o motorista o deixa na porta de uma mesquita?!
ANDS | NOTÍCIAS MAGAZINE
muito bom