MORRE O ESCRITOR MOACYR SCLIAR
Acordamos um pouco mais pobres neste domingo. Morreu nesta madrugada, por volta da uma hora da manhã, o escritor Moacyr Scliar.
Scliar tinha 73 anos e estava internado no Hospital das Clínicas de Porto Alegre e morreu de falência múltipla dos órgãos.
Segundo a Folha de São Paulo, último órgão para o qual ele escreveu, o escritor sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) isquêmico no dia 17 de janeiro quando já estava internado para a retirada de pólipos (tumores benignos) no intestino.
Logo depois do AVC, o escritor foi submetido a uma cirurgia para extirpar o coágulo que se formou na cabeça. Depois da cirurgia, ele ficou inconsciente no centro de terapia intensiva.
O quadro chegou a evoluir para a retirada da sedação, mas no dia 9 de fevereiro o paciente foi abatido por uma infecção respiratória e teve de voltar a ser sedado e à respiração por aparelhos.
Nascido em Porto Alegre e formado em medicina, Moacyr Scliar publicou mais de 70 livros entre diversos gêneros literários: romance, crônica, conto, literatura infantil e ensaio.
Integrante da Academia Brasileira de Letras desde 2003, Scliar já recebeu prêmios Jabuti, uma das mais prestigiadas premiações literárias do país, em 1988, 1993, 2000 e 2009.
MINHA LIGAÇÃO COM OS TEXTOS DE SCLIAR
Os primeiros anos da década de 70 do século passado foram meio mágicos para mim. Em 1970 o Brasil foi tricampeão de futebol e pela primeira vez eu assisti a final de um campeonato pela televisão. Em 1972 comecei a torcer pelo Palmeiras, que foi campeão brasileiro e paulista invicto. Em 1973 estourou a Guerra do Yom Kippur e devorando as notícias que chegavam do Oriente Médio comecei a gostar de Israel. Em 1974 entrei para um seminário católico, fiz todo o seminário menor e saí depois de quatro anos. Em 1972 eu comecei a ler Moacyr Scliar.
A padaria onde assisti a final da Copa do México ainda existe, embora o dono anterior, o lendário Dáio, tenha falecido há anos. O Palmeiras continua a ser uma dessas fraquezas humanas que tenho – sempre que posso estou ouvindo seus jogos – e o amor pela Terra Santa cresceu de tal forma que acabei por ter a maravilhosa experiência de ter morado em Eretz Israel.
Por outro lado, a passagem pelo seminário permitiu-me conhecer parte dos bastidores da Igreja Católica e deu-me a compreensão que hoje tenho de que esta é uma organização não cristã. Ao contrário do que muitos pensam, o catolicismo é uma religião politeísta, com forte presença do paganismo nas suas práticas e regras de fé.
Ao deixar o seminário não me tornei um protestante. Saí desiludido, mas fiel à igreja que o mantinha. A compreensão da Verdade e a conversão ao verdadeiro cristianismo só foi acontecer quase dez anos depois.
No tocante a Moacyr Scliar, fui “apresentado” a ele no dia 1 Setembro de 1972. Naquele dia o jornal O Estado de São Paulo publicou um conto chamado “O Homem da Ampulheta” e eu me encantei com o estilo daquele cronista que tinha então 35 anos. Cinco dias depois aconteceu a tragédia das Olimpíadas de Munique e novamente me vi mergulhado nos jornais procurando notícias e encontrando Scliar.
À medida que lia os contos minha admiração pelo escritor aumentava. Um dia descobri que Scliar era judeu e passei a entender um pouco mais as raízes culturais que permeavam seus textos.
Quando eu e minha família decidimos abdicar da vida que tínhamos nos dedicando completamente ao ministério, fomos convidados a fazer uma sala-temática por ocasião da Conferência anual da nossa igreja. A decoração, como não podia deixar de ser, teve Israel como inspiração sendo que acabamos por usar nas paredes uma série de cartazes sobre a Cultura Judaica. “Coincidentemente”, os 10 cartazes usados eram ampliações do livro O ABC do Mundo Judaico, de Moacyr Scliar.
Pelos quase 40 anos de amor ao estilo literário deste fantástico escritor é que hoje eu me senti um pouco órfão quando li a notícia da sua morte.
Compartilho com vocês um texto de Scliar, publicado no dia 27 de Dezembro de 1981 no jornal Folha de São Paulo, periódico para onde ele migrou depois de deixar o Estadão e onde permaneceu escrevendo até sua morte.
UM CONTO DE MOACYR SCLIAR
Publicado na Folha de São Paulo, no Domingo, 27 de dezembro de 1981.
O casal chegou à cidade tarde da noite. Estavam cansados da viagem; e ela, em adiantada gravidez, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa viria bem, desde que não fosse muito caro, pois eram pessoas de modestos recursos. Não seria um empreendimento fácil, como descobriram desde o início. No primeiro hotel, o gerente, homem de maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha; na pressa da viagem esquecera os documentos.
— E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não em documentos? —disse o encarregado. Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não.
O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel, também não havia vaga. No quarto — que não passava de uma modesta hospedaria — havia lugar, mas o dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para não ficar mal, deu uma desculpa:
— O senhor vê, se o governo nos desse incentivos, como dão para os grandes hotéis, eu já teria feito uma reforma aqui. Poderia até receber delegações estrangeiras. Mas até hoje, não consegui nada. Se eu tivesse uma amizade influente… O senhor não conhece ninguém nas altas esferas?
O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém nas altas esferas.
— Pois então —disse o dono da hospedaria— fale para esse seu conhecido da minha hospedaria. Assim, da próxima vez que o senhor vier, talvez já possa lhe dar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.
O viajante agradeceu, lamentando apenas que seu problema fosse mais urgente: precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante. No hotel seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um elogio:
— O disfarce está muito bom.
— Que disfarce? —perguntou o viajante.
— Essas roupas velhas que vocês estão usando — disse o gerente.
— Isso não é disfarce —disse o homem. São as roupas que nós temos.
O gerente aí percebeu o engano: — Sinto muito —desculpou-se. Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi ocupado.
O casal foi adiante. No hotel seguinte, também não havia vaga, e o gerente era metido a engraçado. Ali perto havia uma manjedoura, disse: por que não se hospedavam lá? Não seria muito confortável, mas em compensação, não pagariam diária. Para surpresa dele, viajante achou a idéia boa e até agradeceu. Saíram. Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando por um casal de forasteiros. E foi aí que o gerente começou a achar que talvez tivesse perdido os hóspedes mais importantes já chegados a Belém.
Leia opinião na Folha: Scliar consolidou a temática judaica na literatura brasileira
ASSISTA UMA ENTREVISTA DE MOACYR SCLIAR
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Shalom Roberto!
Quero expressar meus sentimentos pela perda de uma pessoa tão especial para você e tantos mais. Infelizmente não conhecia o trabalho do meu “xará” em questão. Mas agora terei a oportunidade de ler suas obras.
Que o ETERNO conforte a familia e amigos!
Aproveitando o ensejo irmão, ao ler este post tomei conhecimento que estudaste em um seminário católico. Graças a D-US, você pode enxergar a verdade. Aleluia!
Sobre o assunto, gostaria de dividir contigo um material interessante. Me passa seu e-mail que enviarei com todo o prazer.
Mais uma vez, deixo meus sentimentos!
E que a PAZ de nosso SENHOR YESHUA esteja sobre sua vida e sua familia e por toda Israel!
Shalom Adonai!
Shalom, Moacir. Bem apropriadas suas observações sobre seu xará. Quando começares a lê-lo verás que não exagerei. Lá pelos idos dos anos 80 ele escreveu um conto primoroso sobre um reino onde todos, nobres e plebeus, eram enxadristas. Lá pelas tantas o rei percebe que os súditos estão fazendo uma movimentação estranha na praça defronte ao seu castelo (qualquer semelhança com o que acontece nos califados do Oriente Médio nos dias de hoje é só mera coincidência rsrs). Olhando a movimentação ele percebe que a população desloca-se pela praça em movimentos semelhantes a um jogo de xadrez. Então ele convoca seus generais para que “respondam à rebelião” também com jogadas de xadrez. Não me lembro do nome deste conto, mas é um primor! Se você encontrar em alguns dos livros que ler, compartilhe conosco. Fraterno abraço e um bom início de semana para você. Shavua Tov.
“Tiozão”, seus textos sao magníficos! Cada vez que passo por aqui me supreendo com coisas boas que trago para dentro da minha vida. Deus te abencoe sempre. Eduardo.
Eu preciso do texto do Moacyr Sclair “O Homem da Ampulheta”. Será que alguém pode me ajudar?
Obrigado, Joel ferro