FOGUEIRAS, BÊNÇÃOS, ADIVINHAÇÕES E MISTICISMO NA CULTURA JUDAICA
A última das “chaguim” (festas) tradicionais de Israel que presenciamos foi Lag Baômer. Como vocês puderam acompanhar no artigo que publiquei, trata-se de uma festa secular cuja origem, embora inspirada em passagem bíblica, é fortemente marcada pelo misticismo.
Cresce em Israel o número de pessoas, sensatas, contrárias a esta festa. Na véspera, os jornais trouxeram recomendações da polícia e dos bombeiros pedindo moderação aos participantes. Durante a noite, caminhei por diversos locais onde havia fogueiras e percebi que pedir sensatez a crianças enfeitiçadas pelas exuberantes fogueiras e a adultos turbinados por bebidas alcoólicas não é tarefa das mais fáceis.
Um articulista do prestigioso jornal Yedioth Ahronoth, em artigo polêmico, lamentou que ao longo dos anos, Lag Baômer tenha se tornado “o maior produtor de danos no calendário hebraico”. Bombeiros trabalhando dobrado, incêndios irrompem em diversas partes do país e adultos e crianças com queimaduras são atendidas nos hospitais. Tudo bem dentro do melhor estilo das “Festas Juninas” do Brasil.
Agora, o que eu, particularmente, achei interessante no comentário do articulista do Yedioth Ahronoth, Assaf Wohl, foi a declaração de que ele ouviu um líder religioso dizer que “rabinos estavam pedindo para atrasar [o dia do acendimento das fogueiras] para que não caísse em um sábado à noite”.
Assaf Wohl se perguntou: “Uma vez que a essência do feriado é justamente o acender de fogueiras, porque não devemos adiar este feriado incendiário indefinidamente?”
E complementou: “Antes que nossos leitores religiosos comecem a me bater eu gostaria de ressaltar vários pontos importantes”.
A partir daí, Assaf Wohl lista três razões pelas quais ele defende o fim da festa:
“Primeiro, o costume de acender fogueiras não foi decretado por nossos sábios antigos ou pela Torah. Também não tem nada a ver com as fogueiras ‘acesas pelos combatentes de Bar Kochva’ [principal argumento dos defensores da festa]. Não há nenhuma fonte histórica referindo-se a tal costume por um motivo simples: Não há nenhum registro histórico documentado das ações de Bar Kochva”.
“Em segundo lugar”, prossegue Wohl, “se as sirenes que ouvimos no Memorial Day é uma espécie de ‘costume gentio’, o que diremos sobre a dança ao redor do fogo? O fogo sempre esteve no centro das cerimônias das religiões pagãs ao longo da história. Isso porque o fogo é fascinante, hipnotizante e poderoso, não tendo nada a ver com o judaísmo”.
Nesta observação, o autor ironiza a incoerência dos religiosos. Quando as sirenes do Dia do Holocausto tocam, o país pára. Parcialmente. Isso porque os árabes continuam a caminhar, pois para muitos deles o Holocausto de 6.000.000 de judeus foi algo bom e os religiosos ultra-ortodoxos continuam a caminhar, pois consideram a cerimônia algo pagão.
A terceira razão para o pedido de “cancelamento” da Lag Baômer tem motivações ambientalistas, uma vez que o feriado provoca grandes danos ao meio ambiente. No dia seguinte, Israel parece um cinzeiro gigante. Sem contar que para lavar as roupas impregnadas de fumaça há também a necessidade de se utilizar muito mais água do que normalmente se usaria na lavagem das roupas. E como já foi publicado aqui, racionamento de água é algo vital para a economia israelense.
No final do seu artigo, Assf Wohl faz um apelo à sensatez: “Se [esta prática religiosa] não se fundamenta na Torah e até mesmo apresenta influência de outras religiões, porque precisamos dela? Afinal, pessoas estão morrendo por causa disto!”.
De forma cautelosa a fim de evitar a ira dos religiosos – preocupação constante da mídia local – o autor do texto termina dizendo que não está sugerindo o fim da tradição, mas sim que as pessoas se contentem “com fogueiras mais modestas”. Conforme vocês viram nas fotos que publiquei, o que empolga mesmo é a competição entre os brincantes, cada um querendo fazer fogueiras maiores que seus vizinhos.
Lembrei-me desta matéria do Yedioth Ahronoth ao voltar de Jerusalém na noite de ontem. Estive na Cidade de David conversando com amigos brasileiros que estão excursionando por aqui (grupo de Cidade Ademar, em São Paulo) e visitando um turista que viaja sozinho e está enfermo, num hotel da Capital Israelense. Na entrada da cidade, enormes cartazes convidam para uma exposição no Museu das Terras Bíblicas. Com o título de “Anjos & Demônios, A Mágica Judaica Através dos Séculos”, a exposição de “Bíblica” mesmo não tem nada. Tal qual Lag Baômer, é misticismo puro.