A manipulação da História é responsável pelo surgimento de alguns anacronismos, como a suposta existência de uma “Palestina nos Tempos de Jesus”. Uma Palestina inexistente que envolvia toda a Terra Santa. Com o passar do tempo, acostuma-se de tal forma com estas imprecisões históricas que sequer questionamos quando elas aparecem. Inclusive em anexos de algumas Bíblias cristãs. Para o bem da verdade, devemos dizer não às manipulações.
A MESQUITA DE OMAR NO SÉCULO I DC
Vejam como a História é manipulada. O livro “A Guerra dos Judeus”, do Flávio Josefo, foi reeditado recentemente em Portugal pela Edições Sílabo. A reedição é primorosa, mas deve ser lida com setecentos e oitenta filtros. Ou mais.
Logo na primeira página, ainda nos créditos, há uma pequena explicação: “Para facilitar a leitura da obra e auxiliar na sua compreensão, para além de 1.200 notas de rodapé, foi elaborado um conjunto de anexos que incluem cronologia, quadros genealógicos, mapas, plantas e diagramas com informações que vão desde o relevo da Palestina até às operações militares durante o cerco de Jerusalém.”
A nota em si já incorre em erro. “Relevo da Palestina”?! Como assim?! Os acontecimentos relatados decorrem nas terras dos judeus e não nas terras dos filisteus. Então, porque referir-se ao relevo da Filístia?!
Tomem como exemplo uma das notas que objetiva facilitar a compreensão do leitor. Na página 31 o texto original diz: “Onias, um dos principais sacerdotes, expulsou da cidade os filhos de Tobias. Estes refugiaram-se junto de Antíoco e imploraram-lhe que usasse os seus serviços como guias para uma invasão da Judeia.”
Agora, vejam a nota de rodapé: “Em termos gerais, a Judeia designa a parte sul da Palestina habitada pelos judeus.”
Parte sul da Palestina?! Como assim?! Nesta época a Palestina era o que ela sempre foi ao longo dos séculos, uma pequena faixa de terra junto ao Mar Mediterrâneo, onde hoje fica a Faixa de Gaza.
A designação de Palestina para a região da Judeia e Samaria só foi “oficializada” no ano 138 d.C. quando os romanos criaram a província da Síria Palestina após a última revolta judaica.
Com o passar dos anos, e numa hábil manipulação histórica, alguns autores passaram a chamar toda a região de Palestina, surgindo daí anacronismos como A Palestina nos Tempos de Jesus. Ora, no Tempo de Jesus a Palestina se restringia à pequena área que citei acima.
Para credibilizar a manipulação, os historiadores citam Heródoto, que no século V a.C. escreveu sobre “um distrito da Síria chamado Palaistinêi”. Acontece que Heródoto nunca descreveu a zona geográfica onde ficava esta Palaistinêi. Certamente era a Filístia. E só a Filístia.
Mas, as notas adicionais encontradas na edição publicada em Portugal, notas estas que, lembre-se, visam “facilitar a leitura da obra e auxiliar na sua compreensão” contém também anexos. E no Anexo 17 da página 505 há a figura de corte mostrando o relevo de Jerusalém (imagem acima). O título do anexo diz: “A cidade de Jerusalém (Séc. I d.C.)”
E o que vemos nesta imagem? Da esquerda para a direita vemos do Vale de Hinom ao Monte das Oliveiras. E o que aparece no alto do Monte do Templo?! A Mesquita de Omar!
Esta imagem, da forma como está, serve claramente aos propósitos dos defensores de uma ancestral presença muçulmana na Terra Santa. Mas esta informação é completamente despropositada.
Omar ibn al-Khattab foi um califa árabe que viveu entre 586 e 644 depois de Cristo. Ou seja, era impossível que alguém que viveu entre os séculos VI e VII tivesse erigido uma mesquita em pleno século I.
Ao contrário das sinagogas, que podem ser encontradas em ruínas milenares, as mesquitas são construções muito mais recentes. Claro que no anedotário islâmico a estória é diferente.
Para os muçulmanos, a imensa pedra preta situada no centro da cidade de Meca foi a primeira mesquita do mundo. Reria sido construída por Adão, que depois de ter sido expulso do paraíso, imigrou para a Arábia Saudita e construiu a mesquita. Séculos depois, Abraão, de uma forma misteriosa, desviou seus caminhos e também passou por Meca, onde reconstruiu a mesquita que estava, então, deteriorada.
Isto é o que diz a estória contada pelos muçulmanos. De certo mesmo, o que se sabe é que Maomé, no ano 600 d.C., encontrou a pedra, que já era um centro de culto pagão, e transformou-a no centro devocional da religião criada por ele.
Omar ibn al-Khattab provavelmente erigiu um pequeno templo em Jerusalém, para devoção de um deus cujo nome não se sabe ao certo. Mas este templo desapareceu. A atual mesquita, que é chamada de Omar, foi construída por Ayultub Sultan Al-Afdal ibn Salah ad-Din no ano 1193 d.C., ou seja, 11 séculos depois da data em que a imagem do anexo 17 do livro em questão sugere ter havido uma mesquita no Monte do Templo.
O leitor mais atento dirá que a imagem sobrepõe a Jerusalém atual sobre a Jerusalém do século I d.C. Digamos que faça sentido, mas depois de 500 páginas de notas de rodapé induzindo ao erro, a probabilidade de o leitor chegar aos anexos com a mente completamente manipulada é grande.
A Guerra dos Judeus de Flávio Josefo, editada pela Sílabo, é um grande livro e deve ser lido para uma melhor compreensão de uma das maiores tragédias que já se abateu sobre o povo de Israel. Mas, leiam as notas e os anexos com todos os filtros possíveis.
ANDS