NETANYAHU, ASSAD, AL-QAEDA E O OLHAR DE DÜRER.
Foi em Nuremberg, sob o olhar estático de Albrecht Dürer, que foram engendradas as piores leis da Segunda Guerra Mundial.
CONEXÕES
Meu filho chega em casa frustrado: a bibliotecária da escola não permitiu que ele pegasse um livro do Júlio Verne. “Não é para a sua idade” disse, sugerindo a prateleira dos livrinhos multicoloridos com histórias de patinhos, coelhos e piratas enquanto os olhos dele estavam fixos nas lombadas douradas da coleção completa do escritor francês.
O episódio, protagonizado pelo meu filho de 8 anos, é reflexo do que acontece um pouco por todos os lados nos dias de hoje. A formação, mesmo acadêmica, vem sendo nivelada de forma a não exigir muito das pessoas. A mediocridade avança. Até parece que pensar não faz bem.
Na abertura dos seus estudos acerca da origem e da luta dos Cristãos Novos em Portugal, o historiador e filósofo romeno Elias Lipiner fez o seguinte comentário: “Na arte de escrever história, como em todos os domínios, há um vasto leque de opções. Deus sabe quão difícil é escrevê-la na civilização tecnoburocrática em que vivemos, para nossa geração de tão escassa formação humanística, desvalorizada que foi esta em proveito das ciências tecnológicas. A indiferença da sociedade tecnológica, atualmente dominante, pela cultura e pelos valores humanísticos, privou a nossa geração de uma série de prazeres intelectuais e de agradáveis sensibilidades humanas derivadas da arte, da poesia e da literatura em geral. Oxalá que não seja privada também da aprendizagem das grandes lições da História”.
A inquietação de Lipiner deveria merecer a atenção de todos aqueles que amam a verdade e que preocupam-se que esta seja divulgada. Vivemos tempos em que as pessoas não se dão conta de que os fatos do nosso dia-a-dia não são acontecimentos estanques, mas sim episódios que se interconectam. Desta forma, se lermos as notícias diárias sem atentarmos para as tais interconexões teremos apenas um conhecimento parcial da verdade. E verdade fracionada é porta aberta para mentiras integrais.
Os judeus têm uma explicação interessante para a importância de buscarmos a verdade na sua inteireza. Verdade em hebraico é emet, palavra formada pelas letras alef, mem e tav. Alef é a primeira letra do alfabeto hebraico, mem e letra do meio e tav a última. Para conhecer a verdade, dizem os hebreus, é preciso conhecer o começo, o meio e o fim de uma história, temos que se fazer ligações.
RETOMANDO AS ATIVIDADES
Depois de uma parada de quase dois meses, NOTÍCIAS DE SIÃO retoma suas atividades tendo em vista esta perspectiva. Nesta nova fase, a Redação do Blog foi transferida para o Norte de Portugal, onde está uma simpática vila no alto de uma montanha da Freguesia de Esposende. Nos próximos meses – ou anos, quem sabe – é daqui que escreveremos nossas reportagens. E daqui também, b’ezrat haShem, pretendemos fazer algumas viagens para cidades que tiveram valor histórico na trajetória dos judeus na Diáspora. Um olhar europeu sobre a causa sionista será a tônica. Como a Europa vê Israel, como anda o antissemitismo no Velho Continente, o que isso representa para o futuro dos judeus.
A citação de Lipiner vem a calhar, uma vez que estamos ao lado de Barcelos, que se não é o berço da Inquisição Católica portuguesa foi o estopim de um dos episódios mais tristes da perseguição aos judeus: o rapto das suas crianças, fato acontecido em meados do Século XV.
Nos próximos artigos estaremos compartilhando com nossos leitores episódios obscuros da História que muitas vezes são desconhecidos, mal interpretados ou, pecado dos pecados, não são conectados entre si, para que possamos ter uma compreensão macro do que aconteceu ou do que ainda está por vir.
Interconectar fatos para melhor compreendê-los deveria ser uma preocupação de todos aqueles que amam a verdade. Se pudermos fazer algo que contribua para o alcance deste intento teremos alcançado nosso objetivo. As vezes a interconexão é clara e evidente, mas o desconhecimento da história, facto lamentado por Lipiner, é tão grande que as pessoas não percebem estas relações.
A edição de ontem do Público (foto acima), um dos melhores jornais portugueses, traz um interessante exemplo do que estamos falando. Nas páginas 30 e 31 quatro notícias, aparentemente distintas, têm uma significativa ligação entre si. Lemos na primeira coluna que, pressionado por todos os lados, “[Bashar al] Assad diz que vai honrar resolução da ONU”. No centro da página 30 vemos que “Netanyahu [está] dos EUA para demonstrar a ‘ofensiva de charme’ do Irã” e logo depois a notícia de que houve “dezenas de mortos em ataque islamita”. Na página oposta, como que a acompanhar o desenrolar desses acontecimentos, vemos a reprodução do famoso auto-retrato do pintor alemão Albrecht Dürer, que será exibida em Portugal, no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA).
Quatro notícias, aparentemente desconectadas, que quando submetidas à lupa da História encaixam-se perfeitamente umas às outras. Assad promete que vai honrar a resolução a ONU, mas, ao lado, o pensativo primeiro-ministro israelense sabe que promessa de árabe e resolução da ONU tem tanto valor quanto uma nota de dois dólares. No corpo da notícia, o Público, citando uma fonte do Jerusalém Post, diz que que “Netanyahu tem consciência de que está a nadar contra a maré e que também está acostumado a ser o desmancha-prazeres”. E Bibi está certo. Tantas vezes taxados de intolerantes, há décadas que Israel alerta para a falácia do islamismo como religião de paz, tese que cai por terra continuamente, com notícias como a de mais um massacre de não muçulmanos na Nigéria.
Mas, o que tem Albrecht Dürer a ver com tudo isso? Nada. Ou tudo. Quando Adolf Hitler ascendeu ao poder na Alemanha nazista ele fez questão de levar o centro do seu projeto político-religioso para Nuremberg. A restauração do Sacro Império Romano era o sonho secreto de Hitler e ele fez desta cidade da Baviera o seu Vaticano pessoal. Se Berlim é o coração do nazismo, Nuremberg é a sua alma, costumava dizer o ditador. E Albrecht Dürer, o expoente máximo da arte naquela cidade, era o ideal iconoclasta do nazismo, a ponto de Himmler, à pedido de Hitler, ter reunido dezenas de obras deste artista num bunker no centro histórico de Nuremberg.
Foi em Nuremberg, sob o olhar estático de Albrecht Dürer, que foram engendradas as piores leis da Segunda Guerra Mundial. Foi em Nuremberg, sob o fascínio que Dürer exercia nas mentes doentias dos nazistas, que políticos “cheios de charme” desrespeitaram resoluções e acordos internacionais levando não dezenas, como na Nigéria, mas seis milhões de judeus à morte.
Netanyahu não se importa de fazer o papel de desmancha-prazeres. Ele sabe que da mesma forma que o olhar de Albertch Dürer testemunhou o início do pior tormento da história do seu povo, tudo poderá voltar a acontecer se todos nós não estivermos atentos. Além do mais, como nos alerta Lipiner, “não podemos nos privar das grandes lições da História”.
Gostei muito do comentário e creio que o nosso povo está desinformado de muitos fatos reais que aconteceram nestes dois últimos milênios contra o povo judeu.
O problema é que a história assim como fatos atuais podem e são continuamente distorcidos, por isso a importância de matérias como essa.Triste saber que talvez não alcance números mais expressivos de mentes, especialmente as mais jovens.
Fabiana